19.4.24

Portas

 


Porta de elevador Art Déco («Porte Les Bouquets»), em ferro forjado prateado, Musée des Arts Décoratifs, Paris. Cerca de 1925.
Ferreiro: Edgar Brandt.
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«Onde é que estavas no 25 de Abril?»

 

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Um pouco mais de azul (7)

 



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Foi você que pediu um choque fiscal?

 


«1. O ano de 2023 foi memorável. O sector bancário lucrou quase 12 milhões de euros por dia. Os cinco maiores bancos apresentaram 4,3 mil milhões de euros de resultados líquidos. O BCP, por exemplo, quadruplicou os resultados. Na EDP os lucros cresceram uns estrondosos 40%. Nos CTT cresceram 66%. A Galp teve o melhor resultado de toda a sua existência – fez-se história. Na Sonae os lucros subiram para 354 milhões; na Jerónimo Martins, os resultados cresceram 28%. Estas empresas, está bem de ver, precisam de ser acarinhadas.

2. Há vozes, certamente mal-intencionadas, que dizem que a polémica sobre o IRS mostra que a principal bandeira eleitoral da AD não vai ser cumprida. Não é verdade. O “choque fiscal” é uma promessa recorrente do PSD que não só já foi cumprida no passado, como vai de novo ser cumprida. Só que é diferente do que, porventura, alguns imaginaram. No passado, Passos Coelho e Vítor Gaspar foram autores do maior choque fiscal de sempre: o “enorme aumento de impostos” para trabalhadores, famílias e pensionistas. Nada na história da democracia portuguesa se aproximou de longe do seu impacto. Ao mesmo tempo, quando Passos fez e manteve os cortes nos salários e nas pensões, o IRC para as empresas desceu de 25% para 23%, e depois para 21%. Agora, a nova promessa do choque fiscal da AD também vai ser cumprida por Montenegro. Mas desta vez será apenas para as empresas. Na verdade, para as grandes empresas. Porque é só fazer as contas: como cerca de 48% da receita arrecadada em IRC é paga por 0,3% das empresas, o alívio fiscal é desenhado para as grandes empresas e vai ser bem real: 1500 milhões de euros. Compreendam de uma vez por todas – vai haver choque fiscal, só que não é para “nós”.

3. Num país que discute há 40 anos como sair da triste situação de ter um dos níveis salariais mais baixos da Europa, a ideia do corte de impostos tornou-se o remédio multiusos da direita contra as maleitas persistentes da economia portuguesa. É compreensível, porque a direita tentou outras soluções. Disseram que era necessário libertar a economia do Estado. Privatizámos o sector da banca, alguma indústria, a energia, a rede elétrica, os combustíveis, a gestão das autoestradas, as telecomunicações, os aeroportos, os correios – mas os salários não subiram no ranking europeu. Disseram-nos que o mercado único europeu e a entrada no Euro obrigava à modernização da economia – mas os salários permaneceram no fundo da tabela europeia. Liberalizámos o mercado de trabalho, somos hoje o segundo país da UE com maior número de contratos precários – teimosamente, os salários não subiram. Liberalizámos o arrendamento e a habitação para “atrair investimento” e criar emprego – as casas aumentaram de preço, mas os salários não subiram. Agora dizem-nos que lá chegaremos se, como diz Montenegro, “dermos condições às empresas” através da redução de impostos. A EDP fez uma proposta de aumento salarial dos trabalhadores de 3% e muitos dos seus quadros não foram compensados pelo aumento da inflação nos últimos anos. Estou certa de que a redução de IRC era a condição que faltava à elétrica, cujos lucros subiram 40% no ano passado.

4. Quando um primeiro-ministro fala sobre tributação de empresas, deve estar preocupado sobre o destino que vai ser dado à riqueza criada na economia. Ou vai para reinvestimento e modernização das empresas; ou para compensações salariais e, portanto, para o consumo privado das famílias; ou é distribuída como dividendos aos donos das empresas. Nos últimos anos, as grandes empresas que operam em Portugal têm distribuído dividendos generosos, e encaminharam a quase totalidade destes “resultados históricos” para os bolsos dos acionistas. Este ano a EDP pretende distribuir 86% dos resultados em dividendos; a NOS atinge os 99%; a REN apenas 69%. E o que fazem os acionistas com esse rendimento? Não sabemos. Porque nem os acionistas estão cá, nem os dividendos ficam por cá. Como todos sabem, a EDP tem como principais acionistas os chineses, que também têm posições importantes na banca, na rede elétrica e nos seguros em Portugal. Sabemos que outros bancos pertencem aos espanhóis; que temos os angolanos com uma posição relevante na Galp e também na banca. Que os franceses estão nas telecomunicações e nos aeroportos. Que a cimenteira está nas mãos de acionistas de Taiwan. E por aí fora. Depois de termos vendido setores claramente lucrativos a investidores estrangeiros, não temos grande investimento, não temos salários decentes e nem os dividendos são gastos por cá. O que traz então o choque fiscal de Montenegro? É que a partir de agora também não vamos ter as receitas dos impostos sobre esses lucros criados na economia portuguesa. O primeiro-ministro insiste que, com a sua política, é desta que veremos os salários dos portugueses a galgar os rankings europeus. Aguardemos com serenidade.»

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Conferências Democráticas do Posto de Comando

 

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Estarei por lá no Sábado de manhã.
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18.4.24

Candeeiros

 


Candeeiro de mesa Arte Nova, com abajur em vidro transparente esmaltado e metal dourado. Cerca de 1900.
Projecto: Ludwig Sütterlin.

Daqui.
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E então eu entendi

 


E então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou


Público, 18.04.2024
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«A PGR deve demitir-se»

 


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A dolorosa mensagem política de uma decisão judicial

 


«Não é apropriado dizer que o Ministério Público sofreu uma nova derrota com a leitura que o Tribunal da Relação de Lisboa fez do seu recurso sobre as medidas de coacção a Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária – e que o juiz de instrução já havia recusado. Bastam as angústias sobre o actual estado da Justiça, e em especial do Ministério Público, para impedir que espantos deste quilate se transformem em confrontos a preto e branco. Mas, com as conclusões da Relação, tem agora menos sentido persistir na tese de que tudo é normal, que é a justiça a funcionar, que os procuradores de processos sensíveis como o é a Operação Influencer devem ser isentos de perguntas, de dúvidas ou ainda mais de críticas contundentes. Porque, como se lê na decisão da Relação, o que está em causa é o que sempre se suspeitou que estivesse em causa: um abuso do poder judicial ou, por outras palavras, uma leviana ingerência do poder judicial no poder político.

Os desembargadores que recusaram o recurso do Ministério Público são claros como água a notar este abuso quando escrevem que "desta análise resultou que nenhum dos factos adiantados se traduziam na comissão de crimes, não ultrapassando o desenvolvimento das funções de cada um dos intervenientes, tendo todos eles actuado no âmbito das mesmas". De uma forma mais simples, os juízes consideraram que a participação dos lobistas em defesa dos seus clientes, a intervenção dos gestores da empresa interessada no avanço das obras ou os membros do Governo que se empenharam em facilitar os processos agiram no âmbito das suas competências. Que se saiba, defender um interesse privado não basta para se arriscar prisão preventiva ou depositar cauções milionárias. Que se conheça, intervir no processo legislativo ou pressionar o pessoal da administração pública para acelerar investimentos de assumido interesse nacional não é pecado.

Desde o início, o cerne da Operação Influencer estava inspirado na ideia pura, logo irrealista, de que o mundo da economia e dos negócios se desenrola na placidez de uma moral celestial. Onde não há interesses, nem lóbis, nem pressões, nem poderosos escritórios de advogados, nem gente que ganha muito dinheiro por olear e pôr a máquina dos projectos em acção. Uma ideia segundo a qual um secretário de Estado ou um ministro se podem dar ao luxo de abdicar das suas funções para decidir retocar leis ou corrigir áreas onde existem charcas eventuais. Os lobistas ou os promotores de grandes investimentos podem ser pouco simpáticos por defenderem causas egoístas. Os governantes têm o dever de analisar as suas propostas, medi-las em termos de impacte na criação de riqueza ou de postos de trabalho e decidir em conformidade.

Como se sabe, a luta pelo investimento externo é feroz. Não se ganha sem negociação e cedências. Um projecto da dimensão do Smart Campus é bom para Portugal. Por isso, o pior que podia acontecer era esperar que quem governa não lutasse por ele. Nessa luta, não pode haver favor, tráfico de influências, prevaricação ou qualquer perfume, mesmo leve, de corrupção. O que a Relação de Lisboa nos diz é que nenhum facto indicia esses crimes. Que as escutas apresentadas apenas provam que lobistas e agentes do Governo falaram ao telefone. Ou à mesa de restaurantes.

Não havendo indícios fortes de crimes, os governantes devem ser julgados pela ética ou pela eficácia das suas decisões. Ou seja, cabe aos cidadãos produzir esse juízo e agir em conformidade nos momentos dedicados pela democracia a esse efeito. Ninguém outorgou ao MP poderes de vigiar a ética republicana. Os desembargadores são claros: “Não se pode confundir um facto, enquanto acontecimento histórico, com o teor de escutas ou mesmo com notícias de jornais”.

Compreende-se que haja um pano de fundo nesta trama do Smart Campus de Sines que convida a todo o tipo de suspeitas e consolida a ideia de um pântano moral onde coexistem os amigos com direito a tudo e os outros com o direito à lei. O vaivém de Diogo Lacerda Machado entre as operações especiais em nome do ex-primeiro ministro António Costa ou o currículo gelatinoso de Vítor Escária aguçam o apetite pela conjectura e pelo julgamento sumário. Os juízes de Lisboa condenam, de resto, a informalidade com que exerciam pressões. Escrevem: "O tribunal chama a atenção para a incorrecção de se tratarem assuntos de Estado à mesa de restaurantes, olvidando procedimentos e esquecendo a necessidade de se documentarem as relações havidas entre representantes de interesses particulares e os governantes no âmbito das suas funções". Uma lei que regule o lobbying e obrigue ao registo de todas as diligências poderá reduzir esta actividade – será ingénuo acreditar que a extingue –, notam também os magistrados.

Apesar do contexto, um Estado de direito democrático não age ou reage em função de instintos, de feelings pessoais ou de indícios soprados para os jornais. E ainda menos, sublinha a Relação, alegar factos no recurso que o Ministério Público não referiu no documento de apresentação dos arguidos a interrogatório viola os deveres de “probidade e boa-fé”. A mundivisão de um país afundado na corrupção que exige uma luta sem quartel em nome da salvação por parte do MP é um pesadelo. Que exige respostas urgentes. Uma parte do próprio MP já seguiu esse caminho indispensável. Mas há quem resista em nome da independência. O processo contra a procuradora adjunta Maria José Fernandes é disso uma prova.

Errar acontece e, felizmente, estamos ainda muito longe de ter condições para cair em teorias da conspiração ou em acusações levianas. No geral, o MP é um esteio do Estado de direito. O problema torna-se mais complexo quando se sabe que processos desta natureza, que chegam a suspeitar de autarcas que nomeiam sem concurso chefes de gabinete, como aconteceu em Matosinhos, se multiplicam. É a soma de todos estes incidentes que merecem ser discutidos. Parece haver uma franja do MP que não entende os perigos do justicialismo para a democracia. Alguém lhes deve dizer que os políticos não são todos corruptos e culpados até prova em contrário. Que esse é o programa da extrema-direita.

Haja, por isso, alguém lá dentro que explique aos mais jovens, aos mais impulsivos, aos mais justiceiros ou, possivelmente, aos que mais subscrevem a cartilha da extrema-direita que o império da lei se faz com factos, não com percepções. Nem com a jactância própria dos que se decidem a salvar o país da ruína moral. O MP faz falta para garantir a justiça, não para nos salvar dos videirinhos ou de quem decide mal no Governo. Para estes, os cidadãos têm um trunfo: o da democracia.»

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17.4.24

Donas de casa

 


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17.04.1975 – Camboja: os Khmer Vermelho tomam Phnom Penh

 


Foi há 49 anos que a capital do Camboja, Phnom Penh, foi tomada pelo Khmer Vermelho. Seguiram-se quatro anos de terror, num processo brutal que tinha como objectivo a criação de uma sociedade comunista puramente agrária e do qual resultou um genocídio que eliminou 20 a 25% da população (cerca de dois milhões de pessoas, embora não haja números exactos). Uma das consequências absolutamente impressionante e visível, mesmo para o turista desprevenido, é que o Camboja é hoje um país quase sem velhos: a grande maioria dos que teriam actualmente cerca de 70 anos, ou mais, desapareceu. 

Estive lá em 2009 e, por muitos ou poucos anos que ainda viva, nunca esquecerei um dos mais célebres killing fields, situado nos arredores de Phnom Pehn, onde se encontra o Museu do Genocídio de Tuol Sleng. Numa antiga escola transformada em prisão e nos terrenos que a rodeiam, terão sido torturadas e assassinadas cerca de 10.000 pessoas – homens, mulheres e muitas crianças –, como testemunham largas centenas de fotografias expostas em grandes painéis. É um museu muito simples, impressionante pobre, mas terrível.

Há muita literatura sobre este período negro de uma parte importante do sudoeste asiático, há um grande filme (The Killing Fields, Terra Sangrenta, em português). Para ver dois pequenos vídeos impressionantes clicar AQUI.
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Coimbra, 17.04.1969

 


Há 55 anos, Alberto Martins, então presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra, pediu a palavra em nome dos estudantes, na cerimónia de inauguração do Departamento de Matemática, presidida por Américo Tomás. Claro que ela não lhe foi concedida, o que funcionou como o pontapé de saída para uma longa crise estudantil.

No vídeo, o comentário do Ministro da Educação, José Hermano Saraiva:




Resumo dos acontecimentos durante a crise que foi longa e dura:


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